terça-feira, 28 de agosto de 2012

O gosto pelo infinito

“Os que sabem observar a si próprios e guardam a memória de suas impressões, aqueles que souberam, como Hoffmann, construir seu barômetro espirirual, às vezes tiveram de anotar no observatório de seu pensamento belas estações, dias felizes, minutos deliciosos. Há dias em que o homem acorda com um espírito jovem e vigoroso. Mal suas pálpebras livram-se do sono que as selava, o mundo exterior oferece-se para ele com um relevo marcado, uma nitidez de contornos, uma riqueza de cores admiráveis. O mundo moral abre-se em vastas perspectivas cheias de novas clarezas. O homem gratificado com essa beatitude, infelizmente rara e passageira, sente-se ao mesmo tempo mais artista e mais justo, mais nobre, para dizer tudo numa só palavra. Mas o mais curioso neste estado excepcional do espírito e dos sentidos, que posso sem exagero chamar de paradisíaco se comparado as pesadas trevas da existência comum e quotidiana, é ele não ser fruto de nenhuma causa visível e de fácil definição. Será o resultado de uma boa higiene e de uma dieta equilibrada? Esta é a primeira explicação que surge na mente; mas somos forçados a admitir que, não raro, esta maravilha, esta espécie de prodígio, acontece como se fosse o efeito de alguma potência superior e invisível, exterior ao homem, após um período em que este abusou de suas faculdades físicas. Podemos dizer que é uma recompensa pela oração assídua e pelos ardores espirituais?” Trecho de “O gosto pelo infinito”, Do vinho e do haxixe, Claude Baudelaire.

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