terça-feira, 20 de novembro de 2012

A hipnose das lâmpadas fluorescentes



Eu sou a cidade. Na verdade eu sou um extrato ralo e insosso da cidade. Mas ainda sou a cidade. Sou o registro do inútil e o esquecimento daquilo que é primordial. O ronco do motor e o silêncio falso na hipnose das lâmpadas fluorescentes. Não sou a erva que tenta sobreviver entre as placas de concreto. Essa não sou eu. Eu sou a cerca, o arame, o muro e também o concreto. Sou esteira e arrasto. Sou fio, cabo e corda. Papel, poeira e pólvora. Não adianta entender a natureza sem me entender a mim. Eu sou a água suja que escorre pelo ralo. Sou a fumaça da ponte, do exautor e do cigarro. Eu bebo, fumo e cheiro. Eu sei, eu sou a cidade.

O olhar de desprezo, o empurrão e o tropeço, mas nunca a queda. Isso sou eu. Sou o piso forte das manhãs violentas da capital onde as guerras começam e terminam. Sou a fuligem, o ferro e a fossa. Eu bem sei, eu sou a cidade.

A cidade não lê, a cidade escreve. Sou a dona da história e mãe de todas as novidades. Sou a memória sem idade com marcas e cicatrizes. Eu sou a consciência humana confusa, prática e desordenada. Mas tudo isso eu sei, eu sou a cidade.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Dois textos curtos


7 pontos, 6 interrogações

Quem será esse que transpira fadigado e trôpego entre os espaços vazios de tempo? Quem é esse que sempre acaba por fazer exatamente aquilo que tenta arduamente combater todos dias e noites? Onde está aquela alma encantadora e íntegra que um dia soube ser fiel a si própria? Onde está o botão, a manivela ou o punhado de carne que precisa ser tocado para que as coisas voltem a fazer sentido e fluam como o sangue nas veias?
Um dia desses sonhei. Tive um sonho curioso. Sonhei que estava subindo um grande penhasco e quando me encontrava quase no topo via uma coruja. Uma coruja enorme a poucos metros de mim, que me observava bem acima da minha cabeça. Quando a ví parei a escalada e me protegi, temendo que a coruja me atacasse. Mas depois de um tempo percebi que a coruja não oferecia nenhum perigo. Ela apenas estava lá, tranquila, como uma sentinela.
Onde está essa sabedoria agora? Por que tenho tanto medo de tomar as decisões certas?


Notícias de um mundo novo

Quando acordei estava aqui. Assim, simples assim. Como se quase toda a minha vida houvesse sido um sonho. Como se trinta e três anos de vida coubessem numa noite de sono. Não houve perda de memória neste caso. Me lembro de muita coisa que vivi. Me lembro bem. Mas na minha mente aquelas experiências não foram “exatamente” minhas, mas de um outro sujeito. Me lembro de ter gostado de coisas que não gosto agora. Me lembro de ter acreditado em coisas que não acredito mais. Descobri que desejo coisas que não desejava antes. Quando olho no espelho não me reconheço. Vejo um sujeito mais vivo, mais belo, mais jovem e muito mais feliz. Talvez isso fique, para alguns, como um devaneio tolo, esquizofrênico. Mas insisto, trata-se de uma experiência e é real. É como a fábula da "borboleta e o fogo", você precisaria vivê-la pra saber do que eu estou falando.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Um bonde perdido e um rio morto

Como se descesse do bonde muito antes do destino.
Não.
Como se de repente caísse do bonde em movimento.
Não.
Como se perdesse o último bonde que o levaria de volta pra casa.
Ainda não é isso.
Como se perdesse o último bonde que o levaria pra qualquer lugar.
Foi essa a sensação.
Perder a última chance de mudar. Um medo, uma angústia, um desespero. Nem mesmo um pensamento de morte poderia lhe causar tanta dor.
Depois disso nada mais importa.

Construiu uma outra imagem: um barco pequeno que alguém atira num rio de vigorosa correnteza mas quando toca a água o rio seca. A fluência é algo raro em algumas vidas. Não somente, a consciência também. Duas raridades ansiadas. Coisas escassas que surgem na rota da vida e que geram a questão: esse sou eu? Coisas escassas que surgem na rota da vida e que desaparecem tão rapidamente quanto surgiram e nos deixam prostrados como uma criança esquecida e confusa. Na maior parte do tempo.

O problema do bonde é que ele nunca para. Deve-se correr pra alcançá-lo ou deixá-lo ainda em movimento. O problema do rio é que não existe correnteza acima. Existe?

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O gosto pelo infinito

“Os que sabem observar a si próprios e guardam a memória de suas impressões, aqueles que souberam, como Hoffmann, construir seu barômetro espirirual, às vezes tiveram de anotar no observatório de seu pensamento belas estações, dias felizes, minutos deliciosos. Há dias em que o homem acorda com um espírito jovem e vigoroso. Mal suas pálpebras livram-se do sono que as selava, o mundo exterior oferece-se para ele com um relevo marcado, uma nitidez de contornos, uma riqueza de cores admiráveis. O mundo moral abre-se em vastas perspectivas cheias de novas clarezas. O homem gratificado com essa beatitude, infelizmente rara e passageira, sente-se ao mesmo tempo mais artista e mais justo, mais nobre, para dizer tudo numa só palavra. Mas o mais curioso neste estado excepcional do espírito e dos sentidos, que posso sem exagero chamar de paradisíaco se comparado as pesadas trevas da existência comum e quotidiana, é ele não ser fruto de nenhuma causa visível e de fácil definição. Será o resultado de uma boa higiene e de uma dieta equilibrada? Esta é a primeira explicação que surge na mente; mas somos forçados a admitir que, não raro, esta maravilha, esta espécie de prodígio, acontece como se fosse o efeito de alguma potência superior e invisível, exterior ao homem, após um período em que este abusou de suas faculdades físicas. Podemos dizer que é uma recompensa pela oração assídua e pelos ardores espirituais?” Trecho de “O gosto pelo infinito”, Do vinho e do haxixe, Claude Baudelaire.

sábado, 11 de agosto de 2012

PRESTE ATENÇÃO! Somos atores. Temos de ser neutros, sempre. Nunca ninguém irá compreender nossos sentimentos, nossos processos, nossas fontes de trabalho. Somos atores. Nosso compromisso é e sempre será nossa arte. Devemos seguir em frente e ignorar qualquer falta de entendimento. Precisamos de registro sim, pagaremos por isso às vezes, esse é nosso trabalho. Não devemos e não podemos ficar pelo caminho por conta da mediocridade humana. Ao contrário, devemos estudá-la e não ter medo dela. Um ator não possui inimigos nem desafetos. Um ator apenas possui os que ama. Tudo é aprendizado. Não espere ser compreendido. Espere usar tudo ISSO para fazer um bom trabalho, nada mais. Seguiremos somente, sem críticas ou censuras, cada vez mais preparados pra levar ao público aquilo que ele mais deseja: O ESPETÁCULO.

domingo, 11 de março de 2012

Eles se aproximaram porque gostaram um do outro, e se afastaram pelo mesmo motivo.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Depois de todo esse tempo...


Eu tinha tanto a dizer. Nem tivemos tempo. Fomos massacrados pela vaidade, pelo medo e pelos compromissos assumidos.
Sabemos, os dois, que existiu alguma coisa além de tudo aquilo.
E eu que tinha tanto a dizer. Fiquei sem palavras. Confesso que ainda estou... Petrificado.
É uma pena que todos os cristais tenham se quebrado pelo caminho.
E eu que tinha tanto a dizer, continuo sem palavras, tentando me convencer de que nem tudo é possível.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Postado originalmente em 2009, mas só agora entendi do que realmente se trata.


Caminhava zonzo pela rua escura. Alguma coisa tinha acontecido, a cabeça doía, a escuridão parecia muito clara para os meus olhos, os bolsos estavam vazios e na boca um gosto de sangue. Tropecei e caí bueiro abaixo. Havia muitos ratos ao redor. Levantei sentindo o cheiro dos restos da cidade. O túnel era grande, então eu podia caminhar em pé, administrando a tontura, a dor na cabeça, a pouca visibilidade e aquele cheiro. Um vulto, como um clarão, cruzou meu caminho. Percebi um cruzamento de túneis. Resolvi virar a esquerda seguindo o vulto, dei alguns passos e bati com a cara na parede. Olhei pra cima e vi uma tampa que parecia dar para a rua. Abri a tampa e... acordei.

Levantei da cama meio zonzo, o quarto estava escuro, eu ouvia gritos e sussurros. Alguma coisa estava acontecendo...

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Resta pouco a dizer...


- Você seria capaz de listar todos os livros que já leu?
- Na minha vida toda?
- Toda a sua vida.
- Acho que não. Não, com certeza, todos não.
- Tente.
- Agora? Não dá. É muita coisa. Alguma coisa vai ficar de fora.
- Como você sabe que alguma coisa ficaria de fora?
- Porque eu sei. Levaria a vida inteira pra lembrar tudo. É muita coisa.
- Aquilo que você não lembra, não existiu.
- O quê?
- O que ja´ foi e não é mais, é o mesmo que nunca ter sido.